Era uma noite de tempestade de Julho. Muita chuva, trovoes e raios. Sempre amei tempestades assim, mas agora, que eu estava bem no meio, parecia ironicamente assustador. A estrada deserta e escorregadia, eu pedalando loucamente naquela bicicleta azul marinho emprestada, meu casaco verde ensopado, pesado, meu cabelo empapado no rosto e no lápis de olho escorrido, gosto de sangue na boca, minhas mãos cortadas seguras com força no guidon. Nada disso importava, era tudo besteira. Num rompante de raiva, no meio de uma festa idiota, eu percebi que no meu pequeno tempo de vida, me preocupei demais com besteiras e quase nunca me permiti viver. Que coisa mais feia, teria todo o tempo do mundo? Bom, pois agora não tinha mais. Esse pensamento me enlouquecia ainda mais, a raiva por ter deixando tanta coisa passar, só esperando acontecer. Acontecer o quê, meu Deus? Gritei de frustração e, sem querer, perdi o controle da bicicleta. No momento seguinte estava caindo no concreto listrado, molhado, as mãos espalmadas se arrastando.
 "Droga, droga. Sua burra." Resmunguei, quase insana, no chão, tentando me levantar e montar na maldita bicicleta o mais rápido possível.
 Nada era mais importante que chegar lá, porquê pela primeira vez na história da minha vida eu havia me entregado. Era simplesmente preciso, era incrível, loucamente doloroso, intenso. Meu coração parecia querer fugir da caixa toráxica quando pulei da bicicleta e corri pelo gramado molhado de chuva. Quase não havia como errar o lugar, aquela casa. Paredes roxas, portas verdes. Girei a maçaneta e rápido demais pra registrar qualquer coisa além do empurrão do seu corpo no meu, eu o agarrei. Com força, como nunca o fizera antes. Como agora. Um urro quase animal saiu da minha garganta, pensei que fosse explodir em milhões de átomos brilhantes. Eu não era o suficiente para me manter inteira ali.
 "Desculpa, meu amor. Me perdoa. Por favor. Eu.. E-eu voltei."

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