Eu chego com violão e você só tá querendo paz. Lembro de quando você me trouxe em casa debaixo de chuva e eu te olhei de verdade no portão. Seus cílios pingavam e eu queria tanto te beijar ali mesmo. Você me puxou pela cintura e eu me desfiz em um milhão de átomos. Logo eu, que jurei te amar de janeiro a janeiro, agora escrevo um cartão de despedida. É que é tão difícil esquecer o bem e mal que você me faz, a tontura que me causa, eu fico feliz só de imaginar sua voz entre as aulas seguidas de química, eu sei que deveria estar aprendendo um pouco mais sobre oxidorredução, mas é que os cachinhos desiguais do seu cabelo são tão mais interessantes. Minha irmã me mataria se lesse isso, mas eu tenho vontade de pintar o seu sorriso nos muros da cidade só pra todo o mundo ficar um pouquinho melhor. Eu sei que me perdi um pouco aqui, mas não vá dizer que vai me deixar ir assim tão fácil. Juro que eu não quero mais ninguém, olha. Você pode tentar começar dizendo que vai mudar, que vai parar com todas as manias que me fazem chorar de madrugada. Que vai aparecer quando a gente combinar isso ou simplesmente me ligar quando prometer me ligar. É que com você, eu preciso fazer um escarceu, uma cena, um circo e mais um auê só pra receber um 'Bom dia'. Você esquece e eu já espalhei post its pela sua casa toda. Você se atrasa quando 2 horas antes eu já estava toda pronta. Me acostumei a ler os livros todos da faculdade antes dos nossos encontros, simplesmente porque dava tempo. Me acostumei a te ver com elas e a te ouvir dizer que não era importante. Me acostumei a acreditar no que eu queria, mesmo quando a verdade era jogada na minha cara. Hoje, é quarta feira. Hoje, é o nosso dia e, enquanto estou com os livros de economia espalhados pela mesa da cozinha, paro e penso. A campainha toca e eu olho no relógio, meu deus, olha o horário. Abri a porta e te encarei de um jeito que deu até arrepio. Jaqueta meio largada e cabelo bagunçado. Sorriso leve e olhos verdes. Só fiquei parada ali e você entendeu, sempre foi bom de entender, eu quase nunca precisava explicar. Acontece que, as vezes, eu queria explicar. Te abraço forte e choro só um pouquinho. Quando fecho a porta e volto sozinha pros meus livros, o mundo ainda parece girar. Olho no espelho. Penteado no cabelo, vestido azul justinho, salto alto. Respirei fundo, peguei um casaco qualquer e saí. Ao sentir o ar frio da noite, percebi. Hoje a noite era minha, do mesmo jeito que minha vida inteira também era.


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