E ela me disse
Afasto todos os livros e folhas e sei
lá mais o quê da mesa. “Deixa eu desvendar você.” Ela sussurra no meu ouvido e
logo depois coloca os dentes no meu pescoço. Juro que a boca dela se faz de
paraíso e essa noite eu serei Dante. Ajeito suas coxas ao redor do meu tronco e
seguro aquelas costas que me tiram o sono, a sina, a paciência de esperar pra
ver quem vai dar o próximo passo. Nossa jornada não é linear e, o melhor de
tudo, não é cíclica. Cada parágrafo que você escreve no meu corpo representa um
universo totalmente novo, talvez enxergar as coisas assim seja um grande complexo
de supremacia, mas quem se importa? Amor, vamos desenhar novos mundos enquanto
nossas vozes se misturam e esquecemos qual som grutual foi emitido por quem. A
teoria do Big Bang vai ser superada em algum momento.
Eu queria, queria muito demais demasiadamente,
poder ler seus pensamentos e desenhá-los na parede do meu quarto. Afasto a
franja dos seus olhos e me pergunto se essa é minha vida mesmo, se esse é o meu
corpo. É como se estivesse vendo tudo de cima, num daqueles sonhos que a gente
não controla as ações, só sente tudo e não pode fazer nada pra evitar. Mas
saiba que eu não evitaria. Quando te encontrei naquele bar, camisa suada e
botas que iam até as coxas, eu estava disposto a me quebrar. Eu estava disposto
a me deixar viver e, se a vida quisesse me dar uns tapas, me fazer sofrer,
então eu sofreria. E cairia. Deixei meu corpo exposto no meio da avenida e o
que quer que viesse, eu estava lá pra receber. E você chegou com um copo cheio
de whisky e um limão solitário boiando e eu só conseguia pensar que tudo
combinava com a solidão expressa pelas suas íris de terra molhada.
Você era daquelas que gritavam
desesperadas, porém silenciosas. Clamando por algo, alguém qualquer coisa que.
Mas você nunca falaria e eu adivinhei feito as cartas de tarô que aquela
senhora, na mesa do lado, espalhava sobre a toalha azul marinho. Você disse um
pouco de tudo, mas eram aqueles papos naquelas noites em que tudo significa
nada e as palavras pendem no ar, invisíveis, insensíveis. Mas eu não estava
mais amortecido e te tirei dali, nos levei embora daquele lugar, daquela toalha
de plástico grudenta das bebidas quentes que sei lá quem derramou. Eu nunca
tive saco pra histórias alheias, passados que eu não consigo dimensionar porque
é tão difícil conceber aquilo que nunca vivi. É o que cria todos os
preconceitos e eu era tão, mas tão cheio deles. Que não sobrava espaço pras
críticas que você enfiou mesmo assim, pouco depois, desafiando as leis da
física. Eu não queria mais te ouvir falar, mas era só porque verdades doem tanto
e seria mais fácil se o silêncio e a solidão me abarcassem, mas eu ainda queria
viver e viver, naqueles momentos, significava te ouvir e repensar, repensar,
repensar.
Isso me quebrou em pedacinhos. A vida
se dispôs a me fazer de mosaico e eu nunca fui assim tão católico ou seja lá
que religião que os use. “Eu nunca tive fé”, disse no meio daquele jogo de
futebol e você jogou na minha cara que era mentira, que a fé percorria a água
do meu corpo toda vez que eu dizia não praquelas forças que teimavam em me
paralisar. “A vontade é um ser metafísico.” Você disse e eu fiquei confuso, mas
hoje eu entendo que.
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