Sim, isso foi pouco antes de eu
aprender a me deleitar na minha própria solidão. Deitei a cabeça no seu ombro e
me perguntei “por que tão longe?” enquanto nossos dedos se entrelaçavam e eu
encarava as listras rosa e roxas das suas meias ¾. Eu estava perdido e esse
clichê gigantesco me guiava pelas prateleiras de livros Cult, pelas coleções da
Folha sobre arte em bancas de jornal e pelas bandas cujas músicas embalaram
nosso romance pequeno-burguês. Eu te queria porque você era feito um portal
pros meus devaneios mais loucos, porque mesmo longe das garrafas de vodka- que
a gente evitava nas festas, afinal, éramos tolos demais pra negar de todo
aquilo que não nos apetecia- você me fazia viajar dentro do mesmo espaço-tempo
de sempre. Seu cabelo castanho “sem graça” parecia aquecer tudo ao redor e
quando o vento cortante me fazia tremer, você não me segurava. Porque nós dois
sabíamos a importância de cair. Toda vez que eu defendia Adam Smith e você
refutava meus conceitos dizendo que qualquer propriedade é um roubo, eu conhecia
algo novo de novo. Eu queria poder te levar pra longe, mesmo sem saber o que
longe significava e por isso continuava me perguntando. O tempo parecia
escorrer pelas minhas mãos e eu era incapaz de reter qualquer coisa que não
fosse aqueles sentimentos mofados no fundo da minha geladeira emocional. Você
sabe que eu nunca fui bom em jogar fora, sempre temi o desperdício consciente,
e então finjo demência toda vez que quero gastar meus segundos com coisas sem
valor. Quando foi que o utilitarismo virou peso e medida? Tá, eu sei. Não
repete, não. Deixa a pergunta no ar porque dessa vez eu quero fazer diferente.
Dessa vez eu quero me deixar pender quase que totalmente e, mesmo com o olhar
crítico sobre aquilo que vier a acontecer, simplesmente permitir que aconteça.
Eu finjo. E finjo muito. E muito bem. Eu finjo que estamos conversando, que te encontro na esquina e é aí que a gente se abraça. E, meu amor, é incrível. E é eterno. Eu me desmancho nos seus braços feito a manteiga derretida que nunca fui. Você me envolveria e eu iria te sentir, eu sinto tudo. Depois, finjo que a gente ri, e sr olha. E é aí que os olhos brilham. A gente fala meio sem jeito e fica junto. Um dia inteiro, uma semana, finjo que você me beija e é bem aí que eu me perco. Em você. Lindo, eu escrevi nossa história inteira no papel do Universo com a caneta das estrelas. Só falta você olhar pro céu.
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